Um fato indiscutível é que boa parte das pesquisas científicas desenvolvidas possuem o potencial para se tornarem um produto e um negócio. Porém, a cultura empreendedora ainda não é extensivamente difundida na área acadêmica, o que pode causar um distanciamento entre os pesquisadores e o empreendedorismo.
Entretanto, nos últimos anos esse cenário tem mudado bastante devido aos constantes esforços entre órgãos públicos e privados em estimular a inovação e estreitar os laços entre academia e empresa. Vamos entender o caminho para transformar sua pesquisa científica em biotecnologia em um negócio.
Pesquisa de mercado é fundamental
Entender o mercado e os possíveis clientes para o seu produto ou negócio é a primeira e principal etapa antes da criação do CNPJ. Para que a sua pesquisa acadêmica possa ter sucesso no mundo dos negócios é de extrema importância que ela forneça a solução para alguma necessidade do mercado. Lembre-se: é na adversidade que surgem as oportunidades.
Para alcançar esse objetivo, é necessário ter conhecimento do setor, compreender suas dificuldades e interagir de maneira investigativa com pessoas que atuam nele, a fim de apresentar sua ideia. No início, para garantir o sucesso da solução, é recomendado concentrar-se na identificação das necessidades reais do mercado, dos problemas enfrentados e da jornada do potencial cliente (aquele que sofre com o problema).
Na academia, alunos de mestrado e de doutorado, e por vezes, alunos de graduação, possuem suas próprias pesquisas. Se você ainda está no estágio de propor um tópico de pesquisa, tente alinhá-lo com as necessidades do setor da sua pesquisa. Desta forma, você economiza tempo e trabalho no futuro, para transformar seu tema em um negócio.
Caso você já esteja com a sua pesquisa em andamento, fique tranquilo, nada está perdido! Nessa situação, o mais indicado é conhecer o mercado enquanto as pesquisas ainda estão em andamento, mas também inserir mudanças no projeto, caso seja necessário, para se encaixar às necessidades do setor.
Algumas perguntas que podem te guiar durante o processo de conhecer o mercado e realizar a pesquisa, são:
Qual é a dor do cliente e como o seu produto ou serviço soluciona este problema?
Qual é o diferencial da sua ideia/proposta em relação às outras tecnologias que já estão no mercado?
A sua ideia é realmente inovadora?
Tenho a ideia pronta e pesquisa em andamento, o que devo fazer?
Nesse ponto, há quatro principais formas de estabelecer relacionamento entre academia e o mercado: (i) empreender e fundar uma startup; (ii) licenciamento de tecnologias, (iii) prestação de serviços e (iv) desenvolvimento de projetos de pesquisa em parceria com a indústria.
Para auxiliar pesquisadores e professores em questões jurídicas e burocráticas envolvendo patentes e transferência de tecnologia, as universidades contam com agências de inovação, como por exemplo a Inova, da Universidade Estadual de Campinas.
Se você optar por abrir uma empresa de base biotecnológica, não hesite em participar de hubs de inovação, incubadoras e/ou aceleradoras de startups. Um exemplo de iniciativa é o DeepLab Bio, que oferece apoio técnico e infraestrutura laboratorial com foco no amadurecimento das startups e conecta com empresas e instituições parceiras. Essas redes servem de apoio e orientação a empreendedores em diversas fases do negócio, auxiliando na transformação da pesquisa científica em um negócio - processo que certamente é bastante burocrático e trabalhoso, mas não é difícil. Com a empresa constituída e de CNPJ em mãos, a sua startup de biotech está preparada para passar por algumas das etapas mais cruciais no desenvolvimento de um negócio e para isso, o pesquisador precisa entender de gestão de projetos e gestão de negócios.
Muitas universidades públicas possuem incubadoras de startups, como é o caso da Conectar, da Universidade Federal de Pelotas, do IE-CBiot da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Habite, da Universidade Federal de Tocantins. Essas entidades facilitam que as pesquisas desenvolvidas dentro da universidade se tornem produtos e negócios.
Empreendedores que utilizam incubadoras para desenvolver seu negócio não precisam pagar ou dividir porcentagem da empresa como a universidade, a não ser que o produto seja patenteado. Porém, para continuar utilizando espaços da universidade fora da incubadora, como os laboratórios de pesquisa, para desenvolver os produtos da startup é necessário que um convênio seja estabelecido entre instituição pública e empresa. As cláusulas dos acordos variam de acordo com as instituições e produtos/negócios, mas nesses casos, determinados valores devem ser repassados para a universidade no momento em que a startup incubada passa a ter lucro.
Validação e escalonamento
Com a empresa constituída, é o momento de buscar a validação do seu produto ou serviço. Essa etapa é fundamental, pois permite que clientes da mesma área possam afirmar que a sua proposta cumpre o que promete e de fato solucionar necessidades do mercado. Dessa forma, o seu negócio ganha credibilidade e visibilidade no mercado. Mas não se esqueça que nessa etapa é essencial que seu a sua ideia esteja protegida, seja por um pacto de confidencialidade e/ ou por uma patente.
Durante a validação, novas oportunidades também podem surgir, como a empresa que está participando da validação se interessar em adquirir o seu produto/serviço e/ou contratar os seus serviços.
Outro ponto essencial na transferência de produtos/serviços da academia para os negócios é que a solução deve ser escalável para atender ao mercado. Por vezes, os pesquisadores são prejudicados ao desenvolver o seu negócio devido à falta de conhecimento em propor uma solução que seja pensada em atender infraestruturas reais, principalmente devido ao distanciamento entre o conhecimento e a aplicação. Nesse cenário, é essencial que o pesquisador-empreendedor esteja vinculado a uma incubadora ou aceleradora de startups, pois nesses ambientes há rede de apoio e transferência de conhecimento. Além disso, muitas das incubadoras possuem espaços multiusuários, incluindo laboratórios, fator que é benéfico para startups, visto que infraestruturas laboratoriais de biotecnologia são muito caras.
Investimento
E, por fim, chegamos ao investimento, que é uma das peças fundamentais para que o seu negócio possa prosperar, mas também é o pesadelo dos empreendedores novatos. Participar de programas de aceleração, rodadas de negócios com investidores, bem como em programas públicos e privados de investimento para o desenvolvimento de produtos e serviços é essencial para uma startup no início da jornada.
Isto porque além do aporte financeiro, os programas também fornecem mentorias e capacitações, que auxiliam o pesquisador-empreendedor a vencer o vale da morte das startups. Além dos programas citados, você também pode buscar por outras categorias de investimento, como as listadas abaixo:
Venture Builder, que é um tipo de fundo de investimento que não apenas fornece suporte financeiro para startups, mas também ajuda a criá-las, gerenciá-las e desenvolver suas estratégias. Elas têm uma abordagem muito mais “hands-on” e como resultado, essas empresas se tornam co-fundadoras das startups. A Vesper Ventures é um exemplo deste formato e atua na cocriação de startups junto a cientistas talentosos.
Venture Capital, que é uma modalidade de investimento que apoia normalmente startups com alto potencial de crescimento, como as que estão com o produto em grau avançado de desenvolvimento ou no mercado.
Além dos citados, existem outros tipos de investimento como private equity, corporate venture capital, investidor-anjo, seed funding e crowdfunding.
Apesar dos desafios, o cenário tem se modificado muito nos últimos anos, impulsionando cientistas a também se tornarem empreendedores. O mercado em constante inovação exige maiores incentivos públicos e privados para fomentar o desenvolvimento de soluções de base biotecnológica bem como uma mudança comportamental do pesquisador-empreendedor, que precisa entender de negócios e gestão e se adaptar a essa realidade.
Contudo, os desafios não são insuperáveis e cada vez mais estimulam mudanças. Então, se você está na academia desenvolvendo algum projeto, não deixe para mais tarde e comece a se movimentar logo em busca de formar sua startup de Biotecnologia.
Referências
CALÇADO, A. Como o empreendedorismo científico pode ajudar a transformar pesquisas em produtos viáveis e acessíveis para a população. Projeto Draft. Disponível em:< https://www.projetodraft.com/empreendedorismo-cientifico-deep-tech/>. Acesso em: 23 Jan 2023.
COMO transformar pesquisas em negócios? Novo núcleo da USP vai capacitar cientistas empreendedores. Jornal da USP. Disponível em:<https://jornal.usp.br/universidade/como-transformar-pesquisas-em-negocios-novo-nucleo-da-usp-vai-capacitar-cientistas-empreendedores/>. Acesso em: 22 Jan 2023.
COMO transformar sua pesquisa científica em um negócio? Profissão Biotec, 2022. 1 vídeo (21 minutos). Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=NrNdoqCjGfo>. Acesso em 22 Jan 2023.
HORIZONTE INOVAÇÃO & CIÊNCIA - o perfil da inovação de base científica no Brasil. Emerge Brasil. Disponível em:<https://emergebrasil.in/horizonte-inovacao-ciencia-o-perfil-da-inovacao-de-base-cientifica-no-brasil/>. Acesso em: 24 Fev. 2023.
MUNIZ, C. Como transformar pesquisa científica em empresa de base tecnológica. O Globo. Disponível em:<https://blogs.oglobo.globo.com/pense-grande/post/como-transformar-pesquisa-cientifica-em-empresa-de-base-tecnologica.html>. Acesso em: 23 Jan 2023.
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